O que resta

Choro por ti desde o dia em que o Mundo me ensinou como era chorar.
A tua ausência poderia sufocar o mais experiente dos nadadores. A tristeza como que me engole as palavras, tirando-mas e deixando-me incapaz de sair do meu lugar.
Foi mais do que a perda.
Foi um rasgar dos corpos. Do meu corpo.
Uma alma que deixou de estar completa.
Estilhaçada.
Que nem uma janela que cai no chão.
Também são portas que se fecham. Caminhos que já não serão seguidos porque não existe a leveza de outros tempos.
São cicatrizes que se formam. São marcas que ferem para sempre o corpo que fica.
Que o torna feio durante a luz do dia.
E impossível de sentir durante a noite.
Hoje caminho muito lentamente, como se as memórias fossem decorridas pelo ritmo dos meus passos. Vou para sítios que nunca sequer desejei ir. Como se vagueasse com a esperança infundada de te encontrar de novo.
Mas o tempo não volta atrás.
As mensagens que deixavas no atendedor de chamadas repetem-se.
Na alegria triste de poder ouvir a tua voz todas as manhãs.
O que aumenta a minha tristeza de alguma forma.
Os teus fatos ainda ocupam o espaço no meu armário.
O mero uso somente da palavra "meu", dá cabo do meu frágil ser humano. Cada vez que abro as suas portas, o seu cheiro, o teu cheiro, inunda-me as narinas , e eu volto a estar cheia de ti.
Nem que seja somente por segundos.
Os teus sapatos ainda ocupam o seu lugar na casa-de-banho.
As tuas botas cheias de lama. Como isso me punha louca, enquanto tu achavas apenas graça à minha expressão zangada.
Sinto saudades até dos nossos pequenos conflitos.
No outro dia, encontrei um post-it escrito por ti. Faltou-me o ar.
Aterrou ainda mais a ausência do meu espírito.
Os meus dedos pararam por momentos sobre as tuas letras.
A tua caligrafia irregular mas completamente cheia de personalidade, tal como o dono tinha.
Tinha...
E a mensagem... que tinhas saudades minhas... Céus! Se apenas soubesses que essa vai ser a minha tortura para o resto da minha vida.
E estes pequenos tesouros, os pedaços da tua vida que foram deixadas para trás... O pedaço em mim que foi deixado para trás... Guarda intensamente o fantasma da pessoa que foste...
Da pessoa que eu fui...
É tudo o que resta.

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