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A mostrar mensagens de 2019

Autómato ou como na verdade, ela não esteve realmente aqui

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Ele pegou no pequeno envelope, que ela lhe havia deixado antes de desaparecer uma última vez. Havia sido o seu jeito de dizer adeus. Não por ela. Ela partira de boa fé, sem quaisquer arrependimentos daquilo que não havia feito. Mas por ele. O homem, cansado pelos últimos dias sem dormir, porque quem é que o consegue fazer quando os pesadelos são destruidores, retirou a folha de papel amarela para fora, e começou a ler: “ Nasci feia, tão feia quanto um bebé pode nascer, num Mundo que nada fez para a abraçar em condições. A culpa não foi minha. Mas, se formos a pensar bem no assunto, qual o ser humano neste planeta que não diz algo deste género? Quererá isso dizer que sou apenas mais uma? A única coisa que achava ter a meu favor era a minha perna fora da caixa. Até isso perdi. Pela altura em que me conheci, também me perdi. Sei que isso sim, é algo difícil de conseguir. Foi como se de um interruptor desligado estivéssemos a falar. Os meus contornos desapareceram. O Universo tra

Conversa de um

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Olá estranho. Céus. O ar está tão parado aqui dentro. Como se tivesse acabado de entrar nuo túmulo  de algum faraó perdido  no tempo. Deixa-me fechar a porta. Sabes bem que não deveria estar aqui. Ainda me poderia meter em sarilhos. Ou a ti. Mas provavelmente não ficas com problemas. Tens um passe para te livrares dessas coisas. Sempre tiveste esse jeito acerca de ti. Mas ainda assim, não quero que ninguém me perceba aqui dentro. Quero o nosso tempo dentro da bolha. Bem, assim é muito melhor! Quem é que teve a ideia de deixar as cortinas cerradas nesta maneira? Deus, tu já estás tão branco. Quão melhor fica o teu rosto com o pedacinho de luz que agora entra? Quase que te tornaste a tua própria estrela. Bem, de qualquer das maneiras o teu ego sempre tomou essas proporções. Portanto, algures na tua cabeça, provavelmente já te considerasses um pequeno grande astro luminoso. Sem dúvida nenhuma que sim. E não posso deixar de sorrir. Nem de te revirar os olhos, perante o quão tão cheio de

Aquele homem imaginário e inventado

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Ele era um ser humano estranho. E por isso, me deixei sugar para o seu interior, como se de um instante para o outro, me encontrasse dentro de um remoinho. Conseguia sentir uma tempestade que nascia do centro do seu peito. Mas era curioso, que mais ninguém a parecia ver senão eu. Como se nascesse apenas no meu olhar. Mas percebia-a lá. Deformava-lhe o rosto de uma maneira impressionante. Cobrindo as suas feições de rachas profundas, e retirando qualquer calma que os seus olhos tinham a obrigação natural de transmitir. Para mim, era tenebroso olhar na sua direção. Era como se o próximo passo que desse fosse o errado, podendo arriscar-me a nunca mais ver a luz do dia. Ele era um homem calado e sisudo. E como consequência, tornei-me numa mulher de papel nas suas mãos. O seu toque tornava-me praticamente transparente, mesmo antes de ele me rasgar  até ao mais ínfimo dos pedacinhos. Afinal, ele era um gigante de pedra. E mesmo que fosse uma fada madrinha, não tinha a hipótese de ficar

Agora sou uma mulher invisível

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Costumava ser um pássaro, mas agora, tornei-me uma mulher invisível. E poderia ser esse o fim da história, como costumam dizer, não fosse a peculiaridade do que vos acabei de contar. Não que eu seja alguma coisa de especial neste momento, em que escrevo acerca do meu Mundo, que parecendo que não, morreu do nada. Afinal, tornei-me numa mulher invisível. Ainda me lembro da sensação de ser um pássaro. Não faz assim tanto tempo que o vento me batia direitinho no rosto, desarrumando tudo nele. Até me levantava os lábios, de modo a que uma espécie de sorriso se formasse. Desejava mesmo que alguém me tivesse tirado uma fotografia nessas alturas, em que as pessoas pareciam tão pequenas em relação ao meu ser. O meu pequeno coração, grande, segundo opiniões alheias, batia tão fortemente no meu peito, quase como se ele estivesse a ganhar asas para sair disparado através da minha boca. As minhas asas eram lindas. Pareciam que poderia suportar o meu peso para todo o sempre, levando-me caso foss

Rainha do gelo, como sem saber ela não queria estar sozinha

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A voz mecânica soou ao longo de toda a carruagem, anunciando o que seria a paragem seguinte. O som propagava-se que nem um eco longínquo, apesar da sua origem não sair do mesmo lugar, tal como seria de esperar. Ao fim de alguns segundos, já me havia esquecido qual era o lugar que havia sido anunciado. Afinal, não tinha realmente qualquer importância. Entrara na carruagem pela viagem, e não pelo Destino. Um solavanco controlado atrapalhou a trajetória do comboio, como um soluço atrapalha a fala de uma criança pequena. De repente, e sem grandes consequências. Troquei a perna que tinha traçada, e voltei a verificar que o botão do meu casaco se mantinha categoricamente fechado, como tinha feito exatamente trinta minutos antes daquele instante. Fazia aquilo uma vez por semana. Entrava na estação de comboios ao fundo da rua onde ficava a minha casa. Era a que ficava mais perto. Afinal de contas, a existência de um destes edifícios públicos nas redondezas entrara na lista de cons