Deixa-me ir

Deixa-me ir.
Sei que agora, esse pedido te parece demasiado. Tendo em conta que desapareci há tão pouco tempo. Que as tuas lágrimas por nós ainda não secaram, ou mesmo pelas vezes que gritas o meu nome quanto te magoa não me ter nos teus braços.
Ainda são muitas as manhãs em que a primeira coisa que te preenche a mente sou eu. Fantasma do teu passado, que inequivocamente te prende a ele. Sei que, no entanto, é nas manhãs que encontras um maior alivio. Naquele centésimo de segundo, em que a memória permite-se falhar, e que não te recordas que já não estou do teu lado.
Desculpa.
Sei que não fui uma pessoa fácil. Ás vezes só queria o aperto dos teus braços em meu redor, a minha âncora num Mundo demasiado real para mim. Perder-me no sorriso do teu rosto, ou no toque dos teus lábios na minha testa. eras o meu farol, príncipe de imortais desígnios, tecedor dos seus sonhos em mim.
Outras só queria solidão. Perder-me de mim, do Mundo em arredores. Perder-me da minha alma, pois essa sempre esteve contigo de qualquer das maneiras.
Amei-te no melhor e no pior. Mas no meio disto tudo, na merda que nos aconteceu, só tenho receio de ter acabado por ser o teu veneno.
Deixa-me ir...
Sei que as minhas fotografias ainda se encontram no nosso quarto. Sei que são o teu amuleto, a esfera da superfície do sonho que ainda te põe um ligeiro sorriso no rosto, na melancolia do que passou e já não vai voltar. O teu coração aperta-se de cada vez que olhas para as minhas imagens. A saudade é matreira a esse ponto, distribuindo facadas irregulares e tenebrosas, que magoam mais do que matam. Mas abraças a dor, como se fosse uma velha companheira de aventuras atribuladas e esperanças desfeitas.
O peso do Mundo está em ti. Nota-se pela curvatura desajeitada dos teus ombros, na lentidão das tuas mãos calejadas. As memórias percorrem os teus olhos, como se uma velha fita de filme se tratasse, repetindo-se uma e outra vez. A cor perdeu-se lentamente das tuas feições, tornando-te um fantasma da tua própria pessoa.
Mas no maior cliché que esta vida alguma vez escreveu... sei que as coisas vão ficar mais fáceis.
Deixa-me ir...
Porque um dia, irás acordar pela manhã e eu não serei a primeira coisa a surgir-te na mente. Sei que o brilho irá retornar aos teus olhos, na esperança que irás sorrir de novo. Um dia o meu perfume desaparecerá das tuas coisas, e o teu coração ficará um pouco mais inteiro. Os teus movimentos tornar-se-ião mais suaves.
Um dia até... Poderás amar como me amaste.

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