Só um bocadinho

Normalmente chego sempre primeiro do que tu a casa. É a nossa rotina, a nossa vida...
Ou pelo menos...
É a rotina dos que andam sempre adiantados, por muito que queiram evitar. Ânsias do que tarda em chegar e do que provavelmente não chegará.
Ainda te imagino com todos os mais ínfimos detalhes...
Entro atabalhoada em casa. As compras caem das mãos, o cachecol cai-me do pescoço. Quer tudo fugir-me!
Nem te atrevas...
Largo as chaves em cima da mesa e fecho a porta com um empurrão do meu pé. Livro-me dos meus sapatos, um de cada vez, e atiro-os para um canto recôndito! Coisas do Diabo!
Para além do mais, sempre me disseste que gostavas de mim mais pequena!
Não que eu ache muita piada a isso.
Queres saber uma coisa, no entanto?
Existem coisas piores.
Ensinaste-me isso há algum tempo. Na complexidade simples do que vivemos para aqui chegar.
Ensinaste-me que amar é tudo o que importa, desde que estejamos nisto de alma e coração.
De corpo e alma.
E amar-te foi sempre tão simples. E tão complexo. Fácil, como respirar, como a primeira lufada de ar fresco há muito tempo.
E tão dificil. Cheio de arestas afiadas e agrestes, curvas e contracurvas, caminhos entrelaçados uns nos outros.
As Olimpíadas em que todos querem participar.
Que raio de divagações!
Avanço para o quarto e dispo o meu casaco e a minha mala pelo caminho. Parecem amarras repentinas, que me prendem ao Mundo terrestre e me impedem de chegar ao sonho que és tu.
Deixo as portas entreabertas por trás de mim. As janelas abertas pela manhã, deixam o cheiro fresco a nós viver para além do possivel.
Percorro a tua cómoda, e minha cómoda, com o meu e com o teu perfume. Suponho que por esta altura, seja já uma coisa mais nossa de tão entranhado que está.
Deixaste a tua aliança em cima da cómoda. Não te apeteceu estar casado comigo?
O teu lado da cama ainda está por fazer. Os lençóis mantém-se frescos. A forma da tua cara na fronha da almofada. Sinto o teu cheiro, ainda tão ativo. Talvez seja a minha mente que me esteja a pregar partidas. Já nada me parece muito estranho.
Não!
Mentira!
Estar aqui, sem ti. Isso é estranho. Mau! Doentio! Sem forças e sem qualquer sentido. Como uma roda gigante que não pára, ou uma montanha russa que não conhece outro caminho para além de ir sempre para baixo.
É doloroso. E quebra-me mais vezes do que aquelas que queria admitir.
E é triste. Porque as memórias me atingem de uma só vez e me tiram o ar.
E por isso... Mas só por isso. Deito-me do teu lado. Só para estar um bocadinho mais perto de ti.
Só um bocadinho.
E pode ser que finalmente doa menos.
Ou então, não...
Os grandes amores não passam facilmente.

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