Tudo muda

No inicio dos tempos, onde as horas tinham facilidade de passar, onde os dias eram claros tão depressa quanto eram curtos, em que as acções eram fáceis, porque não necessitavam de ser completamente explicadas, foi ai que eu te conheci. Foi ai que te vi, perdido no meio de todas as coisas fáceis e compreensíveis, a viver como só tu sabias viver. De sorriso fácil no rosto, e despreocupações aparentes. Estavas com as mãos ocupadas, no meio de CDS e livros, as tuas coisas favoritas, que depois deixaram de o ser quando me conheceste. Lembro-me de olhar para ti, com uma maior admiração do que aquela que queria admitir, ou que alguém gostaria de admitir perante um estranho. Parecias tão livre, e eu era tão presa, nas amarras da minha própria livre. Eras tão alegre, e eu não conseguia deixar de me enterrar cada vez mais e mais no remoinho que eram as minhas complicações, o meu normal dia a dia. Pensei que apenas serias isto para mim. Um estranho a quem uma rapariga tímida tem medo de falar, mas que não sai assim tão facilmente da sua mente, quanto mais do seu coração.
Mas depois, como que lendo os meus pensamentos...
Lá vieste tu. Perguntaste-me se um dado CD era bom. Eu tinha a impressão que já sabias perfeitamente a resposta aquela pergunta, não fosse o teu à vontade gigante no meio daquelas andanças. Eu tinha medo do que pudesse dizer. Não queria que fosses embora, mas por outro lado, tinha medo do que poderia acontecer se ficasses. Lembro-me agora que era Pearl Jam. Disse-te que nunca poderias errar com algo assim. Tu assentiste, como se fosse essa a resposta que tivesses procurado toda a tua vida.
E depois apresentaste-te.
Rapaz conhece rapariga.
Adorei o teu nome, apesar de ser um como outro qualquer. Dei por mim a reparar quase de imediato nas covinhas das tuas bochechas. Continuaste a perguntar-me acerca de música, como se tentasses arrancar-me as palavras que muitos outros tinham desistido à muito tempo de arrancar. E eu dei por mim, atraida pelo teu magnetismo, atraida pelas palavras que tu me dizias, desejando ter palavras suficientes para te corresponder, para te arrancar mais palavras. Dei por mim, a mostrar-me mais do que aquilo que me mostro realmente, dei por mim a falar como falo quando as coisas são fáceis.
Contigo era fácil.
Saímos juntos da loja. A felicidade era maior do que aquilo que poderia prever, o meu peito poderia rebentar-te. Foi quando eu te comecei a fazer perguntas. Parecias um pai calmo, que sabia que tinha despertado uma fera, mas ao mesmo tempo orgulhoso. Gostei de te conhecer. Tu gostaste de me conhecer. Combinámos no dia a seguir.
E lá estavas tu...
E no dia a seguir...
E todos aqueles que se seguiram.
Até aquele dia.
Não tinha falado contigo desde a noite anterior, quando tinha adormecido com o meu telemóvel em cima da fronha da almofada. Acordei, e ao lembrar-me das palavras trocadas, o meu sorriso foi inevitável, fácil, como nunca antes tinha sido.
E quando desci as escadas...
Percebi que algo estava mal.
A minha mãe estava sentada na mesa da cozinha, com o telefone fora do descanso. Fitava o vazio, como se procurasse nele a resposta para tudo. Quando me ouviu, ergueu os seus olhos para mim. Vi que estavam vermelhos, e percebi que ela tinha estado a chorar. Perguntei-lhe o que se tinha passado, nunca a tinha visto daquela maneira.
E foi quando ela me contou...
Lembro-me das lágrimas que começaram de imediato a escorrer pela minha cara, como se de rios se tratassem. Dobrei-me sobre mim mesma, conforme ia sentindo que o meu coração se apertava cada vez mais no meu peito, como se todo o ar do Mundo não fosse suficiente para compensar a falta de ar que tinha, a necessidade de respirar que tinha. Tinhas desaparecido, aquele que me tinha tornado uma pessoa melhor. Porque foi sempre isso que fizeste de melhor. Tu fizeste-me melhor, como eu te fiz melhor. E a falta que me fizeste naquele preciso momento, a necessidade que eu tinha de te ver, quando não podia foi a maior dor que alguma vez sentia na minha vida. Nunca antes tinha pensado que poderia sentir algo assim, nunca antes tinha pensado que o amor que sentia por ti, me pudesse levar a algo assim...
Mas suponho que...
Rapaz conhece rapariga...
Rapaz que rapariga ama desaparece...
Tudo muda.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

O nosso amar

Aquele homem imaginário e inventado

Autómato ou como na verdade, ela não esteve realmente aqui